No início do século XX grande parte dos países considerados parte do terceiro mundo, estavam em busca de uma identidade própria, principalmente na forma cultural. A conquista de tal independência, muitas vezes não era fácil, visto que a linguagem usada para exprimir as características nacionais era muitas vezes limitada ou, não conseguia representar plenamente o desejado em todos seus aspectos. Em casos extremos toda uma área cultural teve de ser construída do zero, com o apoio de técnicas estrangeiras para a criação de uma obra mais plena e representativa. Foi exatamente isso que ocorreu com dois compositores muito distintos entre si, o brasileiro Heitor Villa-Lobos(1897-1959) e o húngaro Bela Bartók (1881-1945).
No começo de sua carreira Villa-Lobos seguia a tradição romântica em sua música, de acordo com moldes europeus. A partir de suas "Danças Características Africanas" de 1914, inspirada nos índios Caripunas, inicia a busca por uma linguagem nacional. Porém com certos traços de música européia contemporânea que se adaptavam perfeitamente aquela estilo, como a escala de tons inteiros. Seus bailados "Amazonas" e "Uirapuru", ambos de 1917, mesmo muito influenciados por Stravinsky, mostram um compositor capaz de elaborar uma música nacional. Porém o ponto de virada ocorreu na sua primeira ida a Paris no início dos anos 20, onde ao apresentar sua música considera "moderna" e "exótica", a princípio não foi levada em consideração já que ainda era muita semelhante ao impressionismo praticado por Ravel e Debussy. E naquela época os franceses estavam cansados de si mesmos e queriam algo novo e emocionante.
Inspirado por isso e pelas histórias que contavam sobre sua pessoa(quase todas delírios de repórteres), Villa-Lobos teve que repensar por completo seu estilo, começando a escrever música que representasse o Brasil por completo. Não admitia influências que não sejam a de seu próprio país, sejam elas quais fossem, mas ainda assim conseguia criar obras que soassem modernas a dinâmicas para seu tempo.
A sua série de "Choros" escritos entre 1924 e 1929 para diversas formações instrumentais são considerados o ápice de seu estilo, ao apresentar composições baseadas em temas nacionais porém diferente de qualquer coisa conhecida na época. A estréia do "Choros No. 10" em Paris, levou o jornalista L. Chevallier do Le Monde a declarar:"[... é uma] arte [...] que devemos chamar por um novo nome".
O caso de Béla Bartók apesar de semelhante, é resultado de de experiências completamente diferentes. A sua música inicialmente era influenciada por Brahms e Strauss, mas aos poucos Bartók foi demonstrando interesse pelo uso da música folclórica de seu país natal, tendo seu "Quarteto de Cordas No. 1" de 1908 os primeiros sinais do uso destes temas.
Ao lado do amigo Zoltán Kodáli, Bartók viajou para o interior do país para coletar temas folclóricos originais. Os resultados desta busca divergiam muito do que a décadas era considerado música húngara ou para os estrangeiros "cigana". O uso de escalas pentatónicas semelhantes aquelas encontradas na Asia Central e na Siberia, além dos ritmos assimétricos e harmonias pungentes encontrados na música da Bulgária, se tornaram grandes revelações para ambos, que começaram a citar temas em suas composições.
Outro importante fator musical foi que algumas melodias coletadas por Bartók não seguiam o sistema maior e menor, que naquela altura da história já havia sido saturado ao máximo. Com essas descobertas, além do conhecimento musical tradicional que Bartók possuía, sua música apesar de ser tonal, expandia consideravelmente as funções harmônicas conhecidas quase ao ponto de ruptura completa.
Estes são apenas alguns exemplos conhecidos de compositores que baseado na cultura de seus países conseguiram elaborar uma arte completamente original e ao mesmo tempo se estabelecerem como visionários musicais. Mas este devoção completa a sua pátria estava correta? Bartók no seu tempo já havia sido criticado por não compor suas próprias melodias, e Villa-Lobos foi acusado de fazer cópia de música folclórica. Mas algo que estes críticos não perceberam era que antes deles, não apenas a música, mas boa parte da cultura de seus países era apenas exótica, rudimentar, ou coisa de bárbaros, ou seja impossível de se levar a sério pela elite, que se apoiava em moldes estrangeiros.
Mas o que então o que exatamente produzir quando toda uma linguagem cultural já está estabelecida e com uma identidade forte? A resposta para essa questão é algo difícil de responder já que por si só, já é um grande paradoxo. Como integrar a cultura nacional a novos meios de expressão, capazes ainda assim de revelar não apenas um indivíduo que pode pensar por si em seu meio, mas toda um nação, são questionamentos que em determinado ponto todo artista irá passar, e deverá solucionar sozinho.