sexta-feira, 28 de maio de 2010

Música Folclórica-Parte I

Certa vez o compositor Maurice Ravel declarou: "O trabalho de todo compositor deve estar profundamente vinculado á música de seu país. A consciência nacional é com frequência a primeira fonte de inspiração para um artista[...]". Mas até que ponto o uso da música folclórica pode atrapalhar a expressão individual de um artista?.

No início do século XX grande parte dos países considerados parte do terceiro mundo, estavam em busca de uma identidade própria, principalmente na forma cultural. A conquista de tal independência, muitas vezes não era fácil, visto que a linguagem usada para exprimir as características nacionais era muitas vezes limitada ou, não conseguia representar plenamente o desejado em todos seus aspectos. Em casos extremos toda uma área cultural teve de ser construída do zero, com o apoio de técnicas estrangeiras para a criação de uma obra mais plena e representativa. Foi exatamente isso que ocorreu com dois compositores muito distintos entre si, o brasileiro Heitor Villa-Lobos(1897-1959) e o húngaro Bela Bartók (1881-1945).

No começo de sua carreira Villa-Lobos seguia a tradição romântica em sua música, de acordo com moldes europeus. A partir de suas "Danças Características Africanas" de 1914, inspirada nos índios Caripunas, inicia a busca por uma linguagem nacional. Porém com certos traços de música européia contemporânea que se adaptavam perfeitamente aquela estilo, como a escala de tons inteiros. Seus bailados "Amazonas" e "Uirapuru", ambos de 1917, mesmo muito influenciados por Stravinsky, mostram um compositor capaz de elaborar uma música nacional. Porém o ponto de virada ocorreu na sua primeira ida a Paris no início dos anos 20, onde ao apresentar sua música considera "moderna" e "exótica", a princípio não foi levada em consideração já que ainda era muita semelhante ao impressionismo praticado por Ravel e Debussy. E naquela época os franceses estavam cansados de si mesmos e queriam algo novo e emocionante.
Inspirado por isso e pelas histórias que contavam sobre sua pessoa(quase todas delírios de repórteres), Villa-Lobos teve que repensar por completo seu estilo, começando a escrever música que representasse o Brasil por completo. Não admitia influências que não sejam a de seu próprio país, sejam elas quais fossem, mas ainda assim conseguia criar obras que soassem modernas a dinâmicas para seu tempo.
A sua série de "Choros" escritos entre 1924 e 1929 para diversas formações instrumentais são considerados o ápice de seu estilo, ao apresentar composições baseadas em temas nacionais porém diferente de qualquer coisa conhecida na época. A estréia do "Choros No. 10" em Paris, levou o jornalista L. Chevallier do Le Monde a declarar:"[... é uma] arte [...] que devemos chamar por um novo nome".
O caso de Béla Bartók apesar de semelhante, é resultado de de experiências completamente diferentes. A sua música inicialmente era influenciada por Brahms e Strauss, mas aos poucos Bartók foi demonstrando interesse pelo uso da música folclórica de seu país natal, tendo seu "Quarteto de Cordas No. 1" de 1908 os primeiros sinais do uso destes temas.
Ao lado do amigo Zoltán Kodáli, Bartók viajou para o interior do país para coletar temas folclóricos originais. Os resultados desta busca divergiam muito do que a décadas era considerado música húngara ou para os estrangeiros "cigana". O uso de escalas pentatónicas semelhantes aquelas encontradas na Asia Central e na Siberia, além dos ritmos assimétricos e harmonias pungentes encontrados na música da Bulgária, se tornaram grandes revelações para ambos, que começaram a citar temas em suas composições.
Outro importante fator musical foi que algumas melodias coletadas por Bartók não seguiam o sistema maior e menor, que naquela altura da história já havia sido saturado ao máximo. Com essas descobertas, além do conhecimento musical tradicional que Bartók possuía, sua música apesar de ser tonal, expandia consideravelmente as funções harmônicas conhecidas quase ao ponto de ruptura completa.
Estes são apenas alguns exemplos conhecidos de compositores que baseado na cultura de seus países conseguiram elaborar uma arte completamente original e ao mesmo tempo se estabelecerem como visionários musicais. Mas este devoção completa a sua pátria estava correta? Bartók no seu tempo já havia sido criticado por não compor suas próprias melodias, e Villa-Lobos foi acusado de fazer cópia de música folclórica. Mas algo que estes críticos não perceberam era que antes deles, não apenas a música, mas boa parte da cultura de seus países era apenas exótica, rudimentar, ou coisa de bárbaros, ou seja impossível de se levar a sério pela elite, que se apoiava em moldes estrangeiros.
Mas o que então o que exatamente produzir quando toda uma linguagem cultural já está estabelecida e com uma identidade forte? A resposta para essa questão é algo difícil de responder já que por si só, já é um grande paradoxo. Como integrar a cultura nacional a novos meios de expressão, capazes ainda assim de revelar não apenas um indivíduo que pode pensar por si em seu meio, mas toda um nação, são questionamentos que em determinado ponto todo artista irá passar, e deverá solucionar sozinho.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

O Caso de Dutilleux



É estranho quando um artista que produz uma obra tão única dentro de seu meio, e cuja produção seja resultado de um longo processo de auto-crítica, que tem como finalidade a busca por uma identidade pessoal, seja não apenas largamente ignorado mas considerado um ser ultrapassado. E é exatamente isso que acontece com o compositor francês Henri Dutilleux(Angers, Maine-et-Loire, 22 de janeiro de 1916). Dutilleux é um compositor que desde que o conheci tem me fascinado com suas obras, que mesmo aos 94 anos são umas poucas, porém extremamente variadas e ricas em idéias e conceitos. Como citado anteriormente, seu processo de criação é longo e exaustivo, baseado em várias "sketches" que ao longo do tempo são esculpidas até que o resultado final seja o desejado.

O que deixa este personagem tão interessante, e o que para mim parece um pouco irreal, é o fato de Dutilleux ser um compositor que além de ter vivido as duas grandes guerras, pareceu nunca se encaixar em nenhuma corrente estética conhecida. Mesmo com o advento do serialismo, neoclassicismo, música eletrônica, minimalismo, espectralismo e muitos outros estilos conhecidos, sua música parece ter se mantido livre de qualquer influência ou modismo externo. Um feito surpreendente já que vivemos num mundo onde o que é considerado novo e excitante logo é tomado como modelo, sem ao menos antes ter sido feita alguma pesquisa mais aprofundada para ver no que exatamente isso pode contribuir ou não para aquele que o aderir.

Antes de decidir numerar suas composições, Dutilleux já havia escrito algumas peças para variadas formações instrumentais, porém o próprio achava que não eram representativas de quem ele realmente era. Sua Sonta para Piano(1946-1948),marcada como Opus 1, revelava um compositor que não se encaixava em lugar algum. Alguns anos antes do serialismo se tornar padrão, este obra possui desde as sonoridades impressionistas de Debussy até o vigor rítimico e passagens dissonantes de Bartók. Os trabalhos seguintes refinavam cada vez mais sua linguagem misteriosa e as vezes mística como em sua Segunda Sinfonia de 1959, onde a orquestra era divida em dois grupos, cada um agindo como um fantasma sobre o outro, intercalando diferentes partes, ás vezes complementares, ás vezes contrastantes. Em "Timbres, espace, mouvement" de 1978 inspirado na pintura de Van Gogh "La nuit etoilée", Dutilleux propõe por meio de combinações inusitadas de timbres e aglomerados de notas o clima fantástico da tela.

Atualmente Henri Dutilleux desfruta de um lugar singular no mundo da música: ao mesmo tempo que é considerado um dos compositores vivos mais importantes da atualidade por alguns, também é descrito como reacionário e ultrapassado por outros. Mas sejamos francos, Dutilleux é um compositor que simplesmente escreve sua música sem se preocupar se ela vai mudar o mundo ou se ela está a frente dos outros. Sua obra é um retrato absolutamente pessoal, que provavelmente só poderá ser compreendida em sua totalidade pelo mesmo, diferente de alguns compositores de sua época como Pierre Boulez, que apesar de ser um grande personagem dentro da música do século XX com obras interessantíssimas e cheias de idéias, na maior parte das vezes soa como se estivesse dentro de um grande exercício intelectual, que tem como objetivo apenas o lado exato da arte. Talvez seja apenas isso, não tenho como saber, cada um tem o direito de criar o que bem entender independente dos métodos usados, mas quando os mesmo começam a matar sua expressão é bom parar por aí.

Introdução

Neste blog o assunto principal será música, teremos vários textos explicativos e outros de caráter crítico com muitas informações num tom as vezes leve e as vezes complexo. Obviamente os assuntos vão variar, então o improvável deve ser o esperado.