quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Êxtase em Slow-Motion



Recentemente ocorreu um grande inconveniente que me deixou por alguns dias muito abalado, mas por outro lado me levou a concretização de algo que há uns dois anos planejava com uma certa ingenuidade, a compra deste disco . Já que faz algum tempo que não postava nada, pensei então, por causa deste ocorrido, em falar um pouco deste "grupo" que durante muito tempo foi ignorado e só de uns anos para cá tem sido levado em consideração como um dos mais interessantes a surgir nos últimos vinte anos.

Apesar de ter várias formações ao longo de sua história, o Earth é sem dúvida, produto da fértil imaginação musical de seu único membro fixo: Dylan Carlson. Personagem as vezes errático e de caráter imprevisível, mais famoso por ser o melhor amigo de Kurt Cobain e ter comprado a arma que ele usou em seu suposto suicídio. Carlson, assim como seu companheiro, teve vários problemas legais e fases difíceis com drogas, que explicam seu suposto sumiço na segunda metade dos anos 90 até a sua volta com o "novo" Earth em 2005. Sua única aparição nesta fase pode ser vista no documentário "Kurt & Courtney" de Nick Broomfield, onde ele surge claramente alterado. (Veja aqui).

Mas voltando agora a música. O som produzido pelo Earth no inicio de sua carreira (como pode ser ouvido no EP "Extra-Capsular Extraction" e no disco "Sunn Amps and Smashed Guitars" ) era extremamente pesado e minimalista, algo semelhante ao que os Melvins já faziam há algum tempo. A grande reviravolta foi quando os vocais (que quase não existiam) e a bateria foram excluídos. O resultado é o disco "Earth 2 Special Low-Frequency Version", lançado em 1993 pela Sub Pop em pleno auge do movimento grunge. Apesar de na época não ter feito sucesso algum e boa parte da crítica ter ficado com um ponto de interrogação na cabeça, atualmente se considera este um dos disco fundamentais na evolução da música como um todo e se provou extremamente influente no desenvolvimento de grupos como Boris e principalmente o Sunn O))) que iniciou sua carreira como uma banda tributo ao Earth.

A música em si pode ser definida como uma versão bem mais lenta e distorcida das obras que compositores como La Monte Young e Tony Conrad produziam nos anos 60. O foco principal está em tons estáticos e nos efeitos acústicos produzidos a partir dos harmônicos dos mesmos que podem ser melhor percebidos em volumes altos, mas muito altos mesmo. ( OBS: caso queira ouvir este disco, faça um favor a si mesmo e consiga um bom som estéreo, ouvir isso em caixas de som de computadores ou i-pods é pura insanidade, visto que o impacto físico deste tipo de música é um de seus grandes atrativos, além do mais, os fenômenos sonoros dos harmônicos, "sons fantasma" e batimentos produzidos por intervalos específicos requerem ao menos um aparelho razoável).

Depois deste álbum o Earth seguiu uma carreira irregular nos anos 90, inclusive lançando um diso de "rock", "Pentastar: In The Style Of Demons", um albúm formado por meias-idéias que além de um cover de Jimi Hendrix ("Peace in Mississippi"), contém também um dos experimentos mais interessantes do grupo: "Crooked Axis" um peça evocativa para quarteto de cordas. Na nova década o Earth ressurgiu devido principalmente ao sucesso de grupos como o já citado Sunn O))), porém ao invés de tentar repetir o mesmo som que era praticado no inicio da carreira, o grupo (que inclui a esposa de Carlson, Adrianne Davis na bateria) resolveu salientar características idílicas e quase ambient , além de um apego por trilhas sonoras como a do filme "Dead Man" e elementos de jazz. O último disco do grupo, "The Bees Made Honey in The Lion's Skull" foi lançado em 2008, e é definitivamente o mais diversificado e musicalmente mais satisfatório de todos os lançamentos do Earth.


Dylan Carlson


terça-feira, 26 de outubro de 2010

Recomendação II


Arvo Pärt- Alina (ECM Records-2000)

A música de Arvo Pärt é caracterizada por sua humildade, simplicidade e caráter devocional, nenhuma destas qualidades nunca foi tão bem capturada como neste álbum. A composição que o abre "Spiegel Im Spiegel" ( a versão inicial ao meu ver é a melhor das três) é uma das peças de música mais perfeitas que já ouvi na minha vida. Pensei que nunca encontraria algo que ao mesmo tempo fosse tão simples, mas também mais profundo que qualquer outra manifestação artística das quais já pude apreciar. A faixa seguinte, "Für Alina", é uma delicada peça para piano com apenas duas páginas e a seguinte instrução: "pacificamente, de uma maneira exaltada e introspectiva"


A obra não contém marcações de tempo e as notas em si possuem durações que são decididas pelo próprio intérprete. Por tais motivos a música tende a ser lenta e o foco se mantém nas ressonâncias naturais (o pedal do piano só é solto no final da peça). O que obviamente chama mais atenção é o fato de parecer ouvirmos sinos sendo tocados em um horizonte distante, tal efeito é produzido pela técnica de composição de Arvo Pärt conhecida como "Tintinnabuli" (usada também em "Spiegel Im Spiegel" e outras peças), criada após suas experiências místicas com canto gregoriano e o próprio som transcendental dos grandes sinos. A explicação teórica para esta técnica talvez eu dê em alguma postagem num futuro próximo, por que no momento a beleza destas obras supera qualquer explicação terrena. Ouçam!

sábado, 23 de outubro de 2010

Stravinsky prestando sua homenagem a Jean Sibelius

sábado, 9 de outubro de 2010

Brian Ferneyhough- Unity Capsule (Para Flauta Solo)
1975-1976

sábado, 2 de outubro de 2010

Boulez e a Poesia


Já faz algum tempo que eu gostaria de escrever um artigo falando do Pierre Boulez e sua relação com a poesia. Boulez é um compositor que ao mesmo tempo me fascina por um lado, por outro me provoca uma imensa repulsa. Qualquer pessoa que passar um tempo lendo seus artigos ou dando uma olhada na biografia dele, vai ter quase que instantaneamente reações de amor equilibrado com ódio, dependendo do caso um mais que o outro.

Boulez em si já é um caso ambulante de paradoxos. Foi um ardoroso discípulo do serialismo antes de abandonar o estilo e chamar aqueles que o seguiam de "tolos" e "cegos". Produziu uma quantidade pífia de música eletrônica por considerá-la "confusa" e "complexa", anos depois fundou o IRCAM, o centro de pesquisas eletroacústicas mais avançado do mundo. Acabou sua amizade com John Cage quando este começou a adotar técnicas aleatórias, e em seguida adotou sua versão do método. Nos anos 70 condenou os minimalistas dizendo que esta escola não possuía conteúdo e era muito simples, ao mesmo tempo que produzia uma peça chamada "Rituel" baseada em um único acorde. Argumentou que a solução mais prática para o problema das casas de ópera era "bombardear todas elas", tempos depois se tornou um regente destas mesmas casas.

Por estas e outras Pierre Boulez ao longo dos anos se tornou um alvo fácil de críticas. Muitos consideram sua obra excessivamente acadêmica e elitizada, além do fato de aderir a modismos quando lhe convém. Apesar de tudo, Boulez ainda segue firme e forte no alto de seus 85 anos ainda atraindo reações polarizadas extremas.

Mas voltando ao tema principal deste post: "Boulez e a Poesia". Ao ver as obras de maior impacto de Boulez, é fácil identificar referências ao mundo poético. Irei identificar as mais interessantes, começando certamente com sua obra mais famosa e admirada (até por gigantes como Stravinsky): "Le marteau sans maître" (O Martelo Sem um Mestre) de 1955.

O nome da obra deriva de um livro do poeta surrealista francês René Char (foto), além de usar poesias do mesmo em quatro dos nove movimentos. Nesta peça de câmara para um conjunto exótico de violão, viola, flauta, vibrafone, xilomarimba e contra-alto, Boulez explora sonoridades anti-ocidentais e diferentes técnicas seriais em cada movimento (é preciso notar que nesta época a linguagem serial de Boulez estava bem mais ampla e instintiva). Tais características combinadas com o imaginário violento dos poemas Char, resultam em uma peça que ao mesmo tempo pode ser considerada hermética e sensual.

Sua próxima obra a conter referências poéticas é "Poésis pour pouvoir" de 1958 para três orquestras, eletrônicos e voz gravada. A obra foi criada a partir de uma comissão e usa o poema ("Poemas do Poder") de mesmo nome de Henri Michaux (foto). Esta obra foi criada depois da relação de amizade entre Boulez e Stockhausen ter começado a ficar cada vez mais tensa, principalmente pelo fato de ambos na época estarem seguindo rumos distintos. A obra explicita um certo rancor e angústia em especial pelo fato de que o "Poésis pour pouvoir" fala da maldição que um homem coloca sobre outro.

Em algumas de suas obras seguintes, Boulez buscou inspiração tanto nos poemas quanto nas idéias construtivistas de Stéphane Mallarmé (foto). A obra mais notória inspirada em Mallarmé certamente é "Pli selon pli" ("Dobra Sobre Dobra") de 1962. Possuindo mais de uma hora de duração e 5 movimentos baseados em poemas de Mallarmé que seguem uma ordem cronológica, é certamente uma das obras mais admiráveis produzidas por Boulez. A música em si alterna momentos de violência com uma certa beleza perturbadora muito característica da linguagem bouleziana.

A muito comentada, discutida, analizada e até hoje inacabada "Terceira Sonata Para Piano" deriva das idéias de um projeto inacabado de Mallarmé conhecido como "Livre" que seria basicamente um livro onde o leitor iniciaria em um ponto e poderia seguir a diante a partir de livres escolhas. A sonata é semelhante em forma e em conteúdo pelo fato do interprete iniciar a peça normalmente e logo ter de decidir por uma série de movimentos alternativos que rumo seguir para poder ir a diante. Boulez comparou esta obra a planta de uma grande cidade: existem vários caminhos, curvas e atalhos, mas todos estes não passam de meios para o mesmo fim.

Analisando estas obras de Pierre Boulez é perceptível sua preocupação em cruzar diferentes áreas artísticas para a criação de um todo mais expressivo e abrangente, que no fundo nada mais é que o resultado final de toda e qualquer arte.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

O som mais belo depois do silêncio

Houve uma época (para ser mais preciso, desde a metade do ano passado até o começo deste ano) em que eu basicamente passava dias seguidos apenas ouvindo aos discos da ECM Records (Editions of Contemporany Music). Não sei explicar muito bem em palavras, mas a música que saia dos discos da gravadora simplesmente parecia ser o que eu passei a minha vida procurando, e de cara não consegui mais parar de ouvir. Entre algumas pessoas que estão mais por dentro da gravadora se discute algo como o "som da ECM". Este tipo especifico de som é difícil de descrever, mas qualquer um que ouvir uns três ou quatro discos, independente da época que foram lançados ou do artista em questão, irá notar que realmente existe um "som", um tipo de clima que permeia todos os lançamentos da gravadora. Para explica-lo já foram usadas inúmeras metáforas (derivadas principalmente do design dos discos, minimalistas e com imagens evocativas) , quase todas abstratas e propensas a várias interpretações, como: "observar cubos de gelo derretendo", "olhar para paredes brancas", "ver o mundo em cores manchadas", e por aí vai.

Em relação a música em si, é um pouco complicado dizer o que ela realmente é. Jazz, World Music, Música de Câmara, Fusion, New Age, Ambient, Eletrônica, Clássica, todos estes rótulos são dados para os diferentes artistas do selo, e quase sempre pode-se argumentar que são apenas periféricos e não abrangentes. Um artista "típico" da gravadora é alguém cuja música não pode ser explicada, e cujo estilo passeia livremente por estéticas e técnicas muitas vezes contraditórias. Tal abordagem para a música resulta em um tipo de som ao mesmo tempo muito pessoal e universalmente abrangente.

O selo foi fundado em 1969 por Manfred Eicher, um baixista de música clássica que tinha uma queda por jazz e música étnica. O primeiro lançamento do selo foi o disco "Free At Last" do pianista americano Mal Waldron. Os lançamentos seguintes seguiam uma linha de jazz experimental e descompromissado com formas. Dentre estes, um dos mais significativos é o debut do saxofonista norueguês Jan Garbarek (um dos artistas mais proeminentes do selo) "Afric Pepperbird" de 1970, e "Conference of The Birds" (1972) do baixista David Holland. O processo de criação dos álbuns era muito rápido (1 ou 2 dias para gravar, tudo ao vivo e com improvisos) e a mixagem era igualmente veloz (1 dia normalmente).

Com os discos seguintes o som da gravadora foi se moldando lentamente da pura energia visceral dos primeiros lançamentos para um cada vez mais contemplativo e impressionista. Em 1971 a revista canadense de jazz, CODA, em uma resenha dos discos do selo usou a frase "o som mais belo depois do silêncio" para descrever aquele tipo de música que basicamente não tinha semelhantes na época. Logo a ECM usou a frase como seu mote.

Os lançamentos dos anos 70 incluem provavelmente uma parte da mais bela e introspectiva música já lançada dentro de um grande selo. "Solstice" (Ralph Towner), "Open To Love" (Paul Bley Trio), "Timeless" (John Abercrombie), "The Köln Concert" (Keith Jarrett), "Solo" (Egberto Gismonti), "Rypdal/Vitous/Dejohnette" (Terje Rypdal) e "Dis" (Jan Garbarek).

Nos anos 80 foi lançada a "ECM New Series" dedicada a música clássica de nossa época. O primeiro lançamento foi o agora emblemático "Tabula Rasa" (1984) do compositor minimalista estoniano Arvo Pärt. O selo começava cada vez mais a expandir seus horizontes e acolher artistas provenientes do mundo inteiro, por tal razão se tornou cada vez mais difícil descrever que tipo exato de música é produzida. Artistas da ECM costumam colaborar entre si em lançamentos de duos/trios em que cada parte contribui com seu background e estilo para criar um todo completamente original. Um lançamento memorável destes pequenos conjuntos é o álbum "Folk Songs" (1979) do trio Egberto Gismonti/Charlie Haden/Jan Garbarek.

Para alguém que quer se aventurar neste tipo particular de música, "a música da ECM", qualquer um dos discos citados acima é uma ótima pedida. O problema é que depois de ouvir qualquer um deles, é impossível não ouvir outros (o que ocorreu comigo). Mas como eu mesmo posso descrever, depois de maratonas ouvindo só isso, os efeitos colaterais incluem latergia, sonolência, e um nível muito perigoso de introspecção. Sugiro moderação.


terça-feira, 14 de setembro de 2010

A Organização Segundo Webern



Dias atrás consegui a partitura das "Variações Para Piano" Op.27 do austríaco Anton Webern (1883-1945) e passei umas boas horas observando as estruturas internas daquela música considerada muito cerebral, esparsa e inaudível para muitos. Interessante notar que todas estas conclusões sobre a música de Webern ao mesmo tempo que são um grande engano também podem ser uma verdade sob vários pontos de vista.

Provavelmente o compositor mais interessante da "Segunda Escola de Viena", Webern cultivava um tipo de música extremamente breve e simetricamente muito bem organizada. Perder alguns segundos de música normalmente é perder todo o significado expressivo de movimentos inteiros, visto que tudo era tão bem compactado, e tanto o som quanto o silêncio eram distribuídos de forma igualitária no espaço.

Usando a técnica de doze sons elaborado por Schoenberg, Webern pode dar asas a sua imaginação e criar a música que sempre quis, uma que estivesse livre das leis tonais que regiam a música desde a época medieval até os seus dias, mas também uma que fosse um reflexo da organização presente na natureza. Em relação a sua "Sinfonia" Op.21, Webern comparou a série ao "urpflanze" de Goethe, uma planta primordial, da qual todos os componentes de um organismo inteiro são derivados.

O primeiro movimento da sinfonia apresenta duas partes que são repetidas, derivadas de cânones de um tema do qual a versão reversa do mesmo está presente. A série em si é organizada de um modo a apresenta todos os intervalos possíveis dentro de uma oitava (A-F#-G-Ab-E-F-B-Bb-D-C#-C-Eb), caso repartirmos ela em dois conjuntos de seis notas, podemos notar que o segundo é a transposição reversa do primeiros por um trítono. Pelo fato de que o primeiro e o último intervalo presentes nesta série são complementares (sexta maior e terça menor) as duas últimas notas de qualquer alteração da série serão sempre iguais as duas primeiras.

A obsessão por um tipo de expressão super compactada e derivada organicamente de motivos breves tem seu ápice no "Concerto Para Nove Instrumentos" Op.24. Aqui Webern criou provavelmente sua obra mais concisa e organizada, tudo que é supérfluo e desnecessário é retirado. O que resta é uma música transparente e sonoramente equilibrada entre o som e a falta dele.

A série aqui é dividia em quatro grupos de três notas, todas derivadas do primeiro conjunto:

[B-Bb-D] [Eb-G-F#] [G#-E-F] [C-C#-A]

Tomando o primeiro conjunto como o original, o segundo seria o retrógrado inverso, o terceiro o retrógrado, e o quarto o inverso. Podemos analisar da seguinte maneira também: tomando a nota B como a primeira das doze (B=0) numericamente falando a série seria assim: 0,11,3,4,8,7,9,5,6,1,2,10.Como exemplo, o terceiro conjunto (9,5,6) é o primeiro (0,11,3) ao contrário (3,11,0) e transposto por 6 (3+6=9, 11+6=5, 0+6=6).

Tentativas de analisar a obra como um todo tem causado grandes dificuldades em especialistas e teóricos, visto que, pelo fato de Webern usar sistematicamente conjuntos de três notas que se alteram entre si por meio de variações internas, a idéia da série invade todo o conjunto estrutural da obra como um todo, necessitando assim graduais reavaliações de linhas de pensamento. O esparso e silencioso segundo movimento em especial, é quase que uma fonte inesgotável de segredos no qual dias podem ser passados tentando desvenda-los.

Ao trabalhar com conjuntos de notas e organiza-las de modo a tudo possuir uma maior lógica e coerência interna, Webern se aproximou, como dito anteriormente, de uma arte que fosse um prolongamento da natureza, que segundo o próprio é baseada em idéias de "tema e variações":

"A raiz nada mais é que o caule, o caule nada mais é que a folha, e a folha nada mais que a flor: variações sobre uma idéia"