sábado, 2 de outubro de 2010

Boulez e a Poesia


Já faz algum tempo que eu gostaria de escrever um artigo falando do Pierre Boulez e sua relação com a poesia. Boulez é um compositor que ao mesmo tempo me fascina por um lado, por outro me provoca uma imensa repulsa. Qualquer pessoa que passar um tempo lendo seus artigos ou dando uma olhada na biografia dele, vai ter quase que instantaneamente reações de amor equilibrado com ódio, dependendo do caso um mais que o outro.

Boulez em si já é um caso ambulante de paradoxos. Foi um ardoroso discípulo do serialismo antes de abandonar o estilo e chamar aqueles que o seguiam de "tolos" e "cegos". Produziu uma quantidade pífia de música eletrônica por considerá-la "confusa" e "complexa", anos depois fundou o IRCAM, o centro de pesquisas eletroacústicas mais avançado do mundo. Acabou sua amizade com John Cage quando este começou a adotar técnicas aleatórias, e em seguida adotou sua versão do método. Nos anos 70 condenou os minimalistas dizendo que esta escola não possuía conteúdo e era muito simples, ao mesmo tempo que produzia uma peça chamada "Rituel" baseada em um único acorde. Argumentou que a solução mais prática para o problema das casas de ópera era "bombardear todas elas", tempos depois se tornou um regente destas mesmas casas.

Por estas e outras Pierre Boulez ao longo dos anos se tornou um alvo fácil de críticas. Muitos consideram sua obra excessivamente acadêmica e elitizada, além do fato de aderir a modismos quando lhe convém. Apesar de tudo, Boulez ainda segue firme e forte no alto de seus 85 anos ainda atraindo reações polarizadas extremas.

Mas voltando ao tema principal deste post: "Boulez e a Poesia". Ao ver as obras de maior impacto de Boulez, é fácil identificar referências ao mundo poético. Irei identificar as mais interessantes, começando certamente com sua obra mais famosa e admirada (até por gigantes como Stravinsky): "Le marteau sans maître" (O Martelo Sem um Mestre) de 1955.

O nome da obra deriva de um livro do poeta surrealista francês René Char (foto), além de usar poesias do mesmo em quatro dos nove movimentos. Nesta peça de câmara para um conjunto exótico de violão, viola, flauta, vibrafone, xilomarimba e contra-alto, Boulez explora sonoridades anti-ocidentais e diferentes técnicas seriais em cada movimento (é preciso notar que nesta época a linguagem serial de Boulez estava bem mais ampla e instintiva). Tais características combinadas com o imaginário violento dos poemas Char, resultam em uma peça que ao mesmo tempo pode ser considerada hermética e sensual.

Sua próxima obra a conter referências poéticas é "Poésis pour pouvoir" de 1958 para três orquestras, eletrônicos e voz gravada. A obra foi criada a partir de uma comissão e usa o poema ("Poemas do Poder") de mesmo nome de Henri Michaux (foto). Esta obra foi criada depois da relação de amizade entre Boulez e Stockhausen ter começado a ficar cada vez mais tensa, principalmente pelo fato de ambos na época estarem seguindo rumos distintos. A obra explicita um certo rancor e angústia em especial pelo fato de que o "Poésis pour pouvoir" fala da maldição que um homem coloca sobre outro.

Em algumas de suas obras seguintes, Boulez buscou inspiração tanto nos poemas quanto nas idéias construtivistas de Stéphane Mallarmé (foto). A obra mais notória inspirada em Mallarmé certamente é "Pli selon pli" ("Dobra Sobre Dobra") de 1962. Possuindo mais de uma hora de duração e 5 movimentos baseados em poemas de Mallarmé que seguem uma ordem cronológica, é certamente uma das obras mais admiráveis produzidas por Boulez. A música em si alterna momentos de violência com uma certa beleza perturbadora muito característica da linguagem bouleziana.

A muito comentada, discutida, analizada e até hoje inacabada "Terceira Sonata Para Piano" deriva das idéias de um projeto inacabado de Mallarmé conhecido como "Livre" que seria basicamente um livro onde o leitor iniciaria em um ponto e poderia seguir a diante a partir de livres escolhas. A sonata é semelhante em forma e em conteúdo pelo fato do interprete iniciar a peça normalmente e logo ter de decidir por uma série de movimentos alternativos que rumo seguir para poder ir a diante. Boulez comparou esta obra a planta de uma grande cidade: existem vários caminhos, curvas e atalhos, mas todos estes não passam de meios para o mesmo fim.

Analisando estas obras de Pierre Boulez é perceptível sua preocupação em cruzar diferentes áreas artísticas para a criação de um todo mais expressivo e abrangente, que no fundo nada mais é que o resultado final de toda e qualquer arte.

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