quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Êxtase em Slow-Motion



Recentemente ocorreu um grande inconveniente que me deixou por alguns dias muito abalado, mas por outro lado me levou a concretização de algo que há uns dois anos planejava com uma certa ingenuidade, a compra deste disco . Já que faz algum tempo que não postava nada, pensei então, por causa deste ocorrido, em falar um pouco deste "grupo" que durante muito tempo foi ignorado e só de uns anos para cá tem sido levado em consideração como um dos mais interessantes a surgir nos últimos vinte anos.

Apesar de ter várias formações ao longo de sua história, o Earth é sem dúvida, produto da fértil imaginação musical de seu único membro fixo: Dylan Carlson. Personagem as vezes errático e de caráter imprevisível, mais famoso por ser o melhor amigo de Kurt Cobain e ter comprado a arma que ele usou em seu suposto suicídio. Carlson, assim como seu companheiro, teve vários problemas legais e fases difíceis com drogas, que explicam seu suposto sumiço na segunda metade dos anos 90 até a sua volta com o "novo" Earth em 2005. Sua única aparição nesta fase pode ser vista no documentário "Kurt & Courtney" de Nick Broomfield, onde ele surge claramente alterado. (Veja aqui).

Mas voltando agora a música. O som produzido pelo Earth no inicio de sua carreira (como pode ser ouvido no EP "Extra-Capsular Extraction" e no disco "Sunn Amps and Smashed Guitars" ) era extremamente pesado e minimalista, algo semelhante ao que os Melvins já faziam há algum tempo. A grande reviravolta foi quando os vocais (que quase não existiam) e a bateria foram excluídos. O resultado é o disco "Earth 2 Special Low-Frequency Version", lançado em 1993 pela Sub Pop em pleno auge do movimento grunge. Apesar de na época não ter feito sucesso algum e boa parte da crítica ter ficado com um ponto de interrogação na cabeça, atualmente se considera este um dos disco fundamentais na evolução da música como um todo e se provou extremamente influente no desenvolvimento de grupos como Boris e principalmente o Sunn O))) que iniciou sua carreira como uma banda tributo ao Earth.

A música em si pode ser definida como uma versão bem mais lenta e distorcida das obras que compositores como La Monte Young e Tony Conrad produziam nos anos 60. O foco principal está em tons estáticos e nos efeitos acústicos produzidos a partir dos harmônicos dos mesmos que podem ser melhor percebidos em volumes altos, mas muito altos mesmo. ( OBS: caso queira ouvir este disco, faça um favor a si mesmo e consiga um bom som estéreo, ouvir isso em caixas de som de computadores ou i-pods é pura insanidade, visto que o impacto físico deste tipo de música é um de seus grandes atrativos, além do mais, os fenômenos sonoros dos harmônicos, "sons fantasma" e batimentos produzidos por intervalos específicos requerem ao menos um aparelho razoável).

Depois deste álbum o Earth seguiu uma carreira irregular nos anos 90, inclusive lançando um diso de "rock", "Pentastar: In The Style Of Demons", um albúm formado por meias-idéias que além de um cover de Jimi Hendrix ("Peace in Mississippi"), contém também um dos experimentos mais interessantes do grupo: "Crooked Axis" um peça evocativa para quarteto de cordas. Na nova década o Earth ressurgiu devido principalmente ao sucesso de grupos como o já citado Sunn O))), porém ao invés de tentar repetir o mesmo som que era praticado no inicio da carreira, o grupo (que inclui a esposa de Carlson, Adrianne Davis na bateria) resolveu salientar características idílicas e quase ambient , além de um apego por trilhas sonoras como a do filme "Dead Man" e elementos de jazz. O último disco do grupo, "The Bees Made Honey in The Lion's Skull" foi lançado em 2008, e é definitivamente o mais diversificado e musicalmente mais satisfatório de todos os lançamentos do Earth.


Dylan Carlson


terça-feira, 26 de outubro de 2010

Recomendação II


Arvo Pärt- Alina (ECM Records-2000)

A música de Arvo Pärt é caracterizada por sua humildade, simplicidade e caráter devocional, nenhuma destas qualidades nunca foi tão bem capturada como neste álbum. A composição que o abre "Spiegel Im Spiegel" ( a versão inicial ao meu ver é a melhor das três) é uma das peças de música mais perfeitas que já ouvi na minha vida. Pensei que nunca encontraria algo que ao mesmo tempo fosse tão simples, mas também mais profundo que qualquer outra manifestação artística das quais já pude apreciar. A faixa seguinte, "Für Alina", é uma delicada peça para piano com apenas duas páginas e a seguinte instrução: "pacificamente, de uma maneira exaltada e introspectiva"


A obra não contém marcações de tempo e as notas em si possuem durações que são decididas pelo próprio intérprete. Por tais motivos a música tende a ser lenta e o foco se mantém nas ressonâncias naturais (o pedal do piano só é solto no final da peça). O que obviamente chama mais atenção é o fato de parecer ouvirmos sinos sendo tocados em um horizonte distante, tal efeito é produzido pela técnica de composição de Arvo Pärt conhecida como "Tintinnabuli" (usada também em "Spiegel Im Spiegel" e outras peças), criada após suas experiências místicas com canto gregoriano e o próprio som transcendental dos grandes sinos. A explicação teórica para esta técnica talvez eu dê em alguma postagem num futuro próximo, por que no momento a beleza destas obras supera qualquer explicação terrena. Ouçam!

sábado, 23 de outubro de 2010

Stravinsky prestando sua homenagem a Jean Sibelius

sábado, 9 de outubro de 2010

Brian Ferneyhough- Unity Capsule (Para Flauta Solo)
1975-1976

sábado, 2 de outubro de 2010

Boulez e a Poesia


Já faz algum tempo que eu gostaria de escrever um artigo falando do Pierre Boulez e sua relação com a poesia. Boulez é um compositor que ao mesmo tempo me fascina por um lado, por outro me provoca uma imensa repulsa. Qualquer pessoa que passar um tempo lendo seus artigos ou dando uma olhada na biografia dele, vai ter quase que instantaneamente reações de amor equilibrado com ódio, dependendo do caso um mais que o outro.

Boulez em si já é um caso ambulante de paradoxos. Foi um ardoroso discípulo do serialismo antes de abandonar o estilo e chamar aqueles que o seguiam de "tolos" e "cegos". Produziu uma quantidade pífia de música eletrônica por considerá-la "confusa" e "complexa", anos depois fundou o IRCAM, o centro de pesquisas eletroacústicas mais avançado do mundo. Acabou sua amizade com John Cage quando este começou a adotar técnicas aleatórias, e em seguida adotou sua versão do método. Nos anos 70 condenou os minimalistas dizendo que esta escola não possuía conteúdo e era muito simples, ao mesmo tempo que produzia uma peça chamada "Rituel" baseada em um único acorde. Argumentou que a solução mais prática para o problema das casas de ópera era "bombardear todas elas", tempos depois se tornou um regente destas mesmas casas.

Por estas e outras Pierre Boulez ao longo dos anos se tornou um alvo fácil de críticas. Muitos consideram sua obra excessivamente acadêmica e elitizada, além do fato de aderir a modismos quando lhe convém. Apesar de tudo, Boulez ainda segue firme e forte no alto de seus 85 anos ainda atraindo reações polarizadas extremas.

Mas voltando ao tema principal deste post: "Boulez e a Poesia". Ao ver as obras de maior impacto de Boulez, é fácil identificar referências ao mundo poético. Irei identificar as mais interessantes, começando certamente com sua obra mais famosa e admirada (até por gigantes como Stravinsky): "Le marteau sans maître" (O Martelo Sem um Mestre) de 1955.

O nome da obra deriva de um livro do poeta surrealista francês René Char (foto), além de usar poesias do mesmo em quatro dos nove movimentos. Nesta peça de câmara para um conjunto exótico de violão, viola, flauta, vibrafone, xilomarimba e contra-alto, Boulez explora sonoridades anti-ocidentais e diferentes técnicas seriais em cada movimento (é preciso notar que nesta época a linguagem serial de Boulez estava bem mais ampla e instintiva). Tais características combinadas com o imaginário violento dos poemas Char, resultam em uma peça que ao mesmo tempo pode ser considerada hermética e sensual.

Sua próxima obra a conter referências poéticas é "Poésis pour pouvoir" de 1958 para três orquestras, eletrônicos e voz gravada. A obra foi criada a partir de uma comissão e usa o poema ("Poemas do Poder") de mesmo nome de Henri Michaux (foto). Esta obra foi criada depois da relação de amizade entre Boulez e Stockhausen ter começado a ficar cada vez mais tensa, principalmente pelo fato de ambos na época estarem seguindo rumos distintos. A obra explicita um certo rancor e angústia em especial pelo fato de que o "Poésis pour pouvoir" fala da maldição que um homem coloca sobre outro.

Em algumas de suas obras seguintes, Boulez buscou inspiração tanto nos poemas quanto nas idéias construtivistas de Stéphane Mallarmé (foto). A obra mais notória inspirada em Mallarmé certamente é "Pli selon pli" ("Dobra Sobre Dobra") de 1962. Possuindo mais de uma hora de duração e 5 movimentos baseados em poemas de Mallarmé que seguem uma ordem cronológica, é certamente uma das obras mais admiráveis produzidas por Boulez. A música em si alterna momentos de violência com uma certa beleza perturbadora muito característica da linguagem bouleziana.

A muito comentada, discutida, analizada e até hoje inacabada "Terceira Sonata Para Piano" deriva das idéias de um projeto inacabado de Mallarmé conhecido como "Livre" que seria basicamente um livro onde o leitor iniciaria em um ponto e poderia seguir a diante a partir de livres escolhas. A sonata é semelhante em forma e em conteúdo pelo fato do interprete iniciar a peça normalmente e logo ter de decidir por uma série de movimentos alternativos que rumo seguir para poder ir a diante. Boulez comparou esta obra a planta de uma grande cidade: existem vários caminhos, curvas e atalhos, mas todos estes não passam de meios para o mesmo fim.

Analisando estas obras de Pierre Boulez é perceptível sua preocupação em cruzar diferentes áreas artísticas para a criação de um todo mais expressivo e abrangente, que no fundo nada mais é que o resultado final de toda e qualquer arte.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

O som mais belo depois do silêncio

Houve uma época (para ser mais preciso, desde a metade do ano passado até o começo deste ano) em que eu basicamente passava dias seguidos apenas ouvindo aos discos da ECM Records (Editions of Contemporany Music). Não sei explicar muito bem em palavras, mas a música que saia dos discos da gravadora simplesmente parecia ser o que eu passei a minha vida procurando, e de cara não consegui mais parar de ouvir. Entre algumas pessoas que estão mais por dentro da gravadora se discute algo como o "som da ECM". Este tipo especifico de som é difícil de descrever, mas qualquer um que ouvir uns três ou quatro discos, independente da época que foram lançados ou do artista em questão, irá notar que realmente existe um "som", um tipo de clima que permeia todos os lançamentos da gravadora. Para explica-lo já foram usadas inúmeras metáforas (derivadas principalmente do design dos discos, minimalistas e com imagens evocativas) , quase todas abstratas e propensas a várias interpretações, como: "observar cubos de gelo derretendo", "olhar para paredes brancas", "ver o mundo em cores manchadas", e por aí vai.

Em relação a música em si, é um pouco complicado dizer o que ela realmente é. Jazz, World Music, Música de Câmara, Fusion, New Age, Ambient, Eletrônica, Clássica, todos estes rótulos são dados para os diferentes artistas do selo, e quase sempre pode-se argumentar que são apenas periféricos e não abrangentes. Um artista "típico" da gravadora é alguém cuja música não pode ser explicada, e cujo estilo passeia livremente por estéticas e técnicas muitas vezes contraditórias. Tal abordagem para a música resulta em um tipo de som ao mesmo tempo muito pessoal e universalmente abrangente.

O selo foi fundado em 1969 por Manfred Eicher, um baixista de música clássica que tinha uma queda por jazz e música étnica. O primeiro lançamento do selo foi o disco "Free At Last" do pianista americano Mal Waldron. Os lançamentos seguintes seguiam uma linha de jazz experimental e descompromissado com formas. Dentre estes, um dos mais significativos é o debut do saxofonista norueguês Jan Garbarek (um dos artistas mais proeminentes do selo) "Afric Pepperbird" de 1970, e "Conference of The Birds" (1972) do baixista David Holland. O processo de criação dos álbuns era muito rápido (1 ou 2 dias para gravar, tudo ao vivo e com improvisos) e a mixagem era igualmente veloz (1 dia normalmente).

Com os discos seguintes o som da gravadora foi se moldando lentamente da pura energia visceral dos primeiros lançamentos para um cada vez mais contemplativo e impressionista. Em 1971 a revista canadense de jazz, CODA, em uma resenha dos discos do selo usou a frase "o som mais belo depois do silêncio" para descrever aquele tipo de música que basicamente não tinha semelhantes na época. Logo a ECM usou a frase como seu mote.

Os lançamentos dos anos 70 incluem provavelmente uma parte da mais bela e introspectiva música já lançada dentro de um grande selo. "Solstice" (Ralph Towner), "Open To Love" (Paul Bley Trio), "Timeless" (John Abercrombie), "The Köln Concert" (Keith Jarrett), "Solo" (Egberto Gismonti), "Rypdal/Vitous/Dejohnette" (Terje Rypdal) e "Dis" (Jan Garbarek).

Nos anos 80 foi lançada a "ECM New Series" dedicada a música clássica de nossa época. O primeiro lançamento foi o agora emblemático "Tabula Rasa" (1984) do compositor minimalista estoniano Arvo Pärt. O selo começava cada vez mais a expandir seus horizontes e acolher artistas provenientes do mundo inteiro, por tal razão se tornou cada vez mais difícil descrever que tipo exato de música é produzida. Artistas da ECM costumam colaborar entre si em lançamentos de duos/trios em que cada parte contribui com seu background e estilo para criar um todo completamente original. Um lançamento memorável destes pequenos conjuntos é o álbum "Folk Songs" (1979) do trio Egberto Gismonti/Charlie Haden/Jan Garbarek.

Para alguém que quer se aventurar neste tipo particular de música, "a música da ECM", qualquer um dos discos citados acima é uma ótima pedida. O problema é que depois de ouvir qualquer um deles, é impossível não ouvir outros (o que ocorreu comigo). Mas como eu mesmo posso descrever, depois de maratonas ouvindo só isso, os efeitos colaterais incluem latergia, sonolência, e um nível muito perigoso de introspecção. Sugiro moderação.


terça-feira, 14 de setembro de 2010

A Organização Segundo Webern



Dias atrás consegui a partitura das "Variações Para Piano" Op.27 do austríaco Anton Webern (1883-1945) e passei umas boas horas observando as estruturas internas daquela música considerada muito cerebral, esparsa e inaudível para muitos. Interessante notar que todas estas conclusões sobre a música de Webern ao mesmo tempo que são um grande engano também podem ser uma verdade sob vários pontos de vista.

Provavelmente o compositor mais interessante da "Segunda Escola de Viena", Webern cultivava um tipo de música extremamente breve e simetricamente muito bem organizada. Perder alguns segundos de música normalmente é perder todo o significado expressivo de movimentos inteiros, visto que tudo era tão bem compactado, e tanto o som quanto o silêncio eram distribuídos de forma igualitária no espaço.

Usando a técnica de doze sons elaborado por Schoenberg, Webern pode dar asas a sua imaginação e criar a música que sempre quis, uma que estivesse livre das leis tonais que regiam a música desde a época medieval até os seus dias, mas também uma que fosse um reflexo da organização presente na natureza. Em relação a sua "Sinfonia" Op.21, Webern comparou a série ao "urpflanze" de Goethe, uma planta primordial, da qual todos os componentes de um organismo inteiro são derivados.

O primeiro movimento da sinfonia apresenta duas partes que são repetidas, derivadas de cânones de um tema do qual a versão reversa do mesmo está presente. A série em si é organizada de um modo a apresenta todos os intervalos possíveis dentro de uma oitava (A-F#-G-Ab-E-F-B-Bb-D-C#-C-Eb), caso repartirmos ela em dois conjuntos de seis notas, podemos notar que o segundo é a transposição reversa do primeiros por um trítono. Pelo fato de que o primeiro e o último intervalo presentes nesta série são complementares (sexta maior e terça menor) as duas últimas notas de qualquer alteração da série serão sempre iguais as duas primeiras.

A obsessão por um tipo de expressão super compactada e derivada organicamente de motivos breves tem seu ápice no "Concerto Para Nove Instrumentos" Op.24. Aqui Webern criou provavelmente sua obra mais concisa e organizada, tudo que é supérfluo e desnecessário é retirado. O que resta é uma música transparente e sonoramente equilibrada entre o som e a falta dele.

A série aqui é dividia em quatro grupos de três notas, todas derivadas do primeiro conjunto:

[B-Bb-D] [Eb-G-F#] [G#-E-F] [C-C#-A]

Tomando o primeiro conjunto como o original, o segundo seria o retrógrado inverso, o terceiro o retrógrado, e o quarto o inverso. Podemos analisar da seguinte maneira também: tomando a nota B como a primeira das doze (B=0) numericamente falando a série seria assim: 0,11,3,4,8,7,9,5,6,1,2,10.Como exemplo, o terceiro conjunto (9,5,6) é o primeiro (0,11,3) ao contrário (3,11,0) e transposto por 6 (3+6=9, 11+6=5, 0+6=6).

Tentativas de analisar a obra como um todo tem causado grandes dificuldades em especialistas e teóricos, visto que, pelo fato de Webern usar sistematicamente conjuntos de três notas que se alteram entre si por meio de variações internas, a idéia da série invade todo o conjunto estrutural da obra como um todo, necessitando assim graduais reavaliações de linhas de pensamento. O esparso e silencioso segundo movimento em especial, é quase que uma fonte inesgotável de segredos no qual dias podem ser passados tentando desvenda-los.

Ao trabalhar com conjuntos de notas e organiza-las de modo a tudo possuir uma maior lógica e coerência interna, Webern se aproximou, como dito anteriormente, de uma arte que fosse um prolongamento da natureza, que segundo o próprio é baseada em idéias de "tema e variações":

"A raiz nada mais é que o caule, o caule nada mais é que a folha, e a folha nada mais que a flor: variações sobre uma idéia"

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Composições

Nos últimos dias ando bastante inspirado para compor algumas coisas. Claro que sempre criei música, mas grande parte das vezes são só fragmentos, ou quando estou improvisando, crio algo que soa interessante mas depois se perde. Quase toda a música que eu criei sozinho até este ponto, não esta mais entre nós. Tenho o hábito de deletar tudo depois de um tempo, pelo simples fato que não consigo ouvir mais, ou que os esboços não compreendem aos meus padrões atuais. Talvez eu seja muito crítico, ou seja chato mesmo, mas o fato de que a música que eu tenho criado nos últimos dias tem me animado muito, pode revelar que eu esteja chegando próximo (ou não) de meus objetivos musicais.

A primeira composição por assim dizer, seria uma peça de música concreta que já estou trabalhando a alguns dias. Este é um estilo de música que sempre me fascinou, e é sempre um prazer criar algo que envolva a manipulação de sons. Desde que comecei a tocar guitarra uns 5 anos atrás, mexer com aparelhos de sons e gravadores era um dos meus interesses principais como músico. Os primeiros experimentos foram em fitas K7 mesmo, por que ainda eu não tinha um grande conhecimento de softwares de música e toda a bagagem necessária para poder usa-los. Já fazia algum tempo que eu não criava nada nessa área, mas depois de ouvir algumas coisas do Luc Ferrari, senti a necessidade de bolar algo.

As outras composições incluem duas peças para um violão de cordas de náilon e outra para um de 12 cordas de aço. No momento estas são minhas prioridades, visto que são meus instrumentos principais com os quais me sinto mais confortável para expressar idéias e conceitos.

Talvez eu poste estas composições aqui quando estiverem prontas, talvez em outro lugar, independente disto avisarei a todos.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Recomendação

Uma banda que tenho ouvido muito ultimamente. Vejam os outros vídeos também.

sábado, 19 de junho de 2010

Filmes


Desde que conheci o compositor japonês Toru Takemitsu, ele aos poucos foi se tornando um dos meus favoritos. Seja pela sua música completamente orgânica, pelo descompromisso com formas clássicas ou pelas inusitadas combinações de instrumentos, todos os aspectos de sua arte me fascinam. Sabendo que ele produziu inúmeras trilhas-sonoras, recentemente fui dar uma pesquisada nestes filmes, e sem dúvida os que mais me interessaram foram a "trilogia" de Hiroshi Teshigahara.

Estes três filmes seriam, "Pitfall" (1962), "Woman in The Dunes" (1964) e "The Face of Another" (1966). Os temas de desconforto existencial e problemas psicológicos são recorrentes em todos, combinados com um pouco de surrealismo e um trabalho de câmera mais livre do que os padrões hollywoodianos, os resultados finais são de significado profundo e exigem um pouco do espectador.

"Pitfall" se passa em um desolador cenário pós Segunda Guerra Mundial, onde um mineiro é assassinado na frente de seu filho após se mudar para um cidade fantasma, onde a mina local é motivo de disputa entre os dois sindicatos que a presidem. O fantasma do mineiro morto tenta solucionar seu próprio caso, enquanto a desconfiança e mais mortes rondam a comunidade.

"Woman in The Dunes" é uma história repleta de simbolismo sobre um entomologista que viaja a costa japonesa em busca de um besouro, que ele acredita ser capaz de lhe trazer prestígio na comunidade científica. Ao perceber que perdeu o ônibus que o levaria de volta a Tokyo, os moradores locais sugerem que ele passe a noite na casa de uma mulher que vive no fundo de um grande buraco, acessível apenas por uma escada. Na manhã seguinte com o sumiço da escada, percebe que os moradores querem o manter em cativeiro. A combinação de seu temor em ser esquecido, mais os sentimentos confusos que ele sente em relação a misteriosa mulher tomam conta da história.

"The Face of Another" trata da história de um homem vítima de graves queimaduras em sua face que usa bandagens para não revelar ao mundo sua deformada natureza. Ele possui uma estranha relação de co-dependência com seu psiquiatra, que lhe produz uma nova face, capaz de lhe dar uma nova vida. Tudo começa a se complicar quando sua emocionalmente perturbada esposa retorna a sua vida, lhe trazendo grandes complicações. Enquanto isso também existe uma história paralela sobre uma jovem que possui em sua face cicatrizes causados pela bomba de Nagasaki. Seu desejo é ser aceita pelo que ela é, independente de sua terrível condição, criando assim um interessante contra-ponto ao roteiro central.

A busca por uma identidade própria, alienação social, liberdade e questões morais são exploradas com maestria nestes filmes, combinadas com a trilha-sonora climática e as vezes puramente noir de Takemitsu, o resultado final é um deleite para os sentidos.


*Os três filmes estão reuinidos no box "Three Films by Hiroshi Teshigahara" (foto) que além dos mesmos, contêm um DVD bônus de conteúdo adicional. O único lugar que eu achei este box foi na Livraria Cultura (aqui), o preço obviamente é salgado e não possui legendes em português, mas para qualquer um que quiser ir além das grandes obviedades cinematográficas, tiver algum conhecimento de inglês, e estiver disposto a ver algo que realmente irá lhe fazer pensar, esta é uma grande oportunidade

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Século XXI

As vezes me parece que algumas coisas que certos indivíduos fizeram no passado pareceram ser tão boas,tão originais que hoje, nós usamos estas idéias ou ações da mesma forma, independente de todo o contexto socio-cultural emergente. Se tratando de música isto fica muito aparente. No caso da música clássica, já perdi a conta de quantos compositores a partir de um determinado momento de suas carreiras voltaram a compor obras baseados em moldes e sons do passado. Será isso apenas um modo de se acomodar? Um modo de repensar sua estética? Apenas saudosismo? Não temos como saber. O certo é que este estilo de música esta profundamente enraizado no passado, todo jovem compositor basicamente esta andando na sombra de gigantes que de uma forma ou outra ainda mantém uma influência esmagadora o onipresente sobre todos eles.

Casos famosos de compositores que fizeram a transição vanguarda-classicismo, incluem o do polonês Krzysztof Penderecki e do finlandês Magnus Lindberg. Enquanto que para o primeiro esta transição parecia ser o único caminho de continuar seguindo em frente (basta ouvir qualquer uma de suas obras do começo da carreira, elas literalmente redefinem o que é possível fazer com uma orquestra), além de suas constantes reclamacões em relação a falta de novos instrumentos, o caso de Lindberg pareceu ser uma crise estética. As obras de sua juventude composicional incluem dentre outras, "Kraft","UR", "Action-Situation-Signification", todas elevando os níveis de brutalidade e abstração nunca antes vistos no mundo da música clássica,"Kraft" em especial por contar percussão feita a partir de ferro-velho e acorde de mais de 70 notas. A partir dali como aconteceu com Penderecki se tornou difícil continuar compondo (mesmo que no caso de Lindberg, diferente do de Penderecki, ele possui-se a seu alcance toda uma nova tecnologia de computadores e processadores de som que ele usou no começo de sua carreira). Inspirado em seus conterrâneos Jean Sibelius e Einojuhani Rautavaara, adotou um estilo mais amplo, que explorasse todos os aspectos da música que incluem a harmonia e a melodia, duas coisas que praticamente não existiam em sua música.

O caso do rock sempre me pareceu ser mais decepcionante (não que os casos citados acima seja ruins, a música de ambos continua muito interessante e sincera a meus olhos). Diariamente somos bombardeados com novas bandas e artistas cuja música é apenas um pastiche de tendências passageiras+atitudes "rebeldes", cujo único objetivo e faturar em cima de jovens alienados e sem uma consciência profunda de sua existência mundana. Claro que existem grupos que vão contra estas tendências "modernas", mas grande parte deles comete o erro de se espelhar muito no que eu havia dito no primeiro parágrafo, os moldes do passado. Não que isso seja algo péssimo, o passado é uma grande fonte de inspiração, educação para qualquer um, além de ter moldado o que tudo é hoje, mas tentar usa-lo descaradamente sempre me pareceu estúpido.

O som de próprio rock também sempre foi convidativo a várias pessoas sem talento ou idéias individuais se aventurarem por ele de forma descarada. Os dogmas do estilo geraram toda uma geração de músicos que "acham" que o rock só pode ser feito de um jeito e todos os outros são errados, ao mesmo tempo que uma nova safra tenta acabar com todo isso, porém falhando miseravelmente ao não possuírem todo um background cultural além do pleno entendimento do que realmente estão fazendo. Um dos poucos grupos que ao meu ver sempre pareceu não se encaixar em nenhum dos movimentos citados acima (elemento chave para mim),e ao mesmo tempo combinar perfeitamente os dois(passado+futuro) foi o suiço Young Gods (foto).

Descrito por alguns como a primeira banda do século XXI, o YG seguiu um caminho ao mesmo tempo iconoclasta e reverencial aos mestres do passado. Ao abolir de vez as guitarras (símbolo máximo do rock) e optar por sons pré-gravados (e devidamente alterados eletronicamente) combinados com ritmos ensandecidos e vocais as vezes operáticos, as vezes diabólicos, em francês, além de toda uma estética centro-europeia, o Young Gods redefiniu o que é preciso para tocar rock puro e animalesco. Além de se aventurarem em projetos de música concreta/ambiente combinadas com projeções hi-tech, o grupo já prestou mais de uma vez homenagens aos grandes mestres. A primeira ao lançar um disco contendo interpretações do compositor alemão Kurt Weill, a segunda vez ao embarcar em um concerto multi-midia que combinava imagens restauradas de Woodstock e o grupo tocando versões emblemáticas das canções executandas no festival.

Uma banda que ao mesmo tempo desafia rótulos e consegue criar dor de cabeça tanto nos adeptos da velha guarda, quanto na nova geração, só poderia amargurar na rua da solidão, mas o grupo até hoje se mantém referência para músicos de mente aberta e de gostos amplo, apesar de ainda ser uma banda "cult".

Independente de qualquer coisa a evolução deve ao mesmo tempo sempre olhar para os dois lados, o futuro é como a morte, pode parecer terrível e sombrio mas é inevitável e devemos abraça-lo, ao mesmo tempo que o olhamos com toda a compreensão que temos da história até aquele ponto, por que ao ignorar o inevitável ou o que nos moldou como somos, revelamos uma grande ignorância da nossa parte. Toda a geração possui problemas que só serão resolvidas pelos próprios. Não podemos nos iludir que os do passado foram mais fáceis de serem resolvidos porque as respostas pareciam óbvias, devemos enxergar tudo por uma ótica mais abrangente e aceitável a erros, porque só com eles temos a compreensão.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Recomeçar


De uns tempos para cá, reparei que a coisa mais difícil na música é trabalhar limitando-se a um instrumento solo. Obviamente que baseando suas fontes sonoras em um único instrumento o indivíduo é obrigado a ser criativo, pensar além das óbvias capacidades do referido instrumento, tentar superar limitações técnicas, e o músico deve fazer o que o poeta Garcia Lorca declarou certa vez (obviamente esta frase se refere a poetas, mas cabe muito bem aqui nesta situação):"[...] ir a caçada limpo e sereno, disfarçado até. Manter-se firme contra as miragens a vigiará cautelosamente as carnes palpitantes e reais que se conciliam com o plano [...] que tem em mente".

Apesar das grandes dificuldades de se trabalhar assim, existe algo que apenas um instrumento solo pode revelar ao ouvinte: a verdadeira face do autor. É quase que como se ele estivesse ali, ao seu lado, sussurrando em seus ouvidos coisas que ele nunca poderia revelar ao mundo por meio da linguagem falada, sensações e sentimentos que só podem ser descritos como abstratos e de difícil associação com o mundo real. É possível saber muito mais de uma pessoa analisando ela apenas por sua arte, pra mim o grande trunfo desse meio. A natureza humana é revelado de uma forma nua e crua, mesmo que ela seja para um consenso geral, impenetrável e terrível. De todos estes artistas que conheço provavelmente poucos conseguiram se mostrar ao mundo como o catalão Federico Mompou (1893-1987).

Mompou passou grande parte de sua longeva vida dedicando-se ao piano, para qual compôs inúmeras peças. São obras semelhantes a pequenas miniaturas, convidativas a inúmeras interpretações e extremamente intimas em sua natureza. Comentando certa vez sobre suas obras agrupadas sobre o nome "Musica callada", mompou declarou: "[...] esta música não possui ar nem luz. É uma fraca batida de coração, você não pode pedir que alcance mais que algumas polegadas no espaço, mas sua missão é alcançar as profundezas de nossa alma e as regiões secretas de nosso espirito. Esta música é calada porque você ouve junto com ela. Contido e reservado[...]".

O gosta pelas miniaturas, além da influência catalã,se deve ao contato com a música do compositor francês Erik Satie (1866-1925). Após se aprofundar em sua música, Mompou teve o que ele mesmo chamou de um "recomeço", ou seja um retorno a expressão primitiva, pura e clara da natureza humana pelos meios mais simples e diretos. Alguns aspectos técnicos de Satie também foram agregados em seu estilo, como o abandono de armaduras e das divisões de compasso em suas partituras, para deixa-las livres de compromisso com tonalidades, e que o musico que deseja-se executa-las não apenas "tocasse" mas as "interpretasse" segundo seu gosto.

Vivendo em um mundo onde tudo parece estar cada vez mais bombástico e exagerado, a busca por uma expressão verdadeiramente fiel de um artista esta cada vez mais difícil, e normalmente quando a achamos, vemos que não passa de algo diluído e puramente superficial. Um artista como Mompou que conseguiu por meio de sua própria visão da música,do mundo e do ser humano, elaborar algo ao mesmo tempo tão simples, porém tão complexo em suas idiossincrasias, deveria gozar de um prestigio grande em seu meio, mas como o mundo não é perfeito, sua arte é conhecida e admirada por poucos.

(Para todos aqueles que querem se aprofundar neste grande músico, sugiro que procurem pela série "Mompou Plays Mompou" são 5 volumes que tem próprio interpretando suas obras para piano de forma magistral e muito bem gravado, um verdadeiro achado artístico.)

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Música Folclórica-Parte I

Certa vez o compositor Maurice Ravel declarou: "O trabalho de todo compositor deve estar profundamente vinculado á música de seu país. A consciência nacional é com frequência a primeira fonte de inspiração para um artista[...]". Mas até que ponto o uso da música folclórica pode atrapalhar a expressão individual de um artista?.

No início do século XX grande parte dos países considerados parte do terceiro mundo, estavam em busca de uma identidade própria, principalmente na forma cultural. A conquista de tal independência, muitas vezes não era fácil, visto que a linguagem usada para exprimir as características nacionais era muitas vezes limitada ou, não conseguia representar plenamente o desejado em todos seus aspectos. Em casos extremos toda uma área cultural teve de ser construída do zero, com o apoio de técnicas estrangeiras para a criação de uma obra mais plena e representativa. Foi exatamente isso que ocorreu com dois compositores muito distintos entre si, o brasileiro Heitor Villa-Lobos(1897-1959) e o húngaro Bela Bartók (1881-1945).

No começo de sua carreira Villa-Lobos seguia a tradição romântica em sua música, de acordo com moldes europeus. A partir de suas "Danças Características Africanas" de 1914, inspirada nos índios Caripunas, inicia a busca por uma linguagem nacional. Porém com certos traços de música européia contemporânea que se adaptavam perfeitamente aquela estilo, como a escala de tons inteiros. Seus bailados "Amazonas" e "Uirapuru", ambos de 1917, mesmo muito influenciados por Stravinsky, mostram um compositor capaz de elaborar uma música nacional. Porém o ponto de virada ocorreu na sua primeira ida a Paris no início dos anos 20, onde ao apresentar sua música considera "moderna" e "exótica", a princípio não foi levada em consideração já que ainda era muita semelhante ao impressionismo praticado por Ravel e Debussy. E naquela época os franceses estavam cansados de si mesmos e queriam algo novo e emocionante.
Inspirado por isso e pelas histórias que contavam sobre sua pessoa(quase todas delírios de repórteres), Villa-Lobos teve que repensar por completo seu estilo, começando a escrever música que representasse o Brasil por completo. Não admitia influências que não sejam a de seu próprio país, sejam elas quais fossem, mas ainda assim conseguia criar obras que soassem modernas a dinâmicas para seu tempo.
A sua série de "Choros" escritos entre 1924 e 1929 para diversas formações instrumentais são considerados o ápice de seu estilo, ao apresentar composições baseadas em temas nacionais porém diferente de qualquer coisa conhecida na época. A estréia do "Choros No. 10" em Paris, levou o jornalista L. Chevallier do Le Monde a declarar:"[... é uma] arte [...] que devemos chamar por um novo nome".
O caso de Béla Bartók apesar de semelhante, é resultado de de experiências completamente diferentes. A sua música inicialmente era influenciada por Brahms e Strauss, mas aos poucos Bartók foi demonstrando interesse pelo uso da música folclórica de seu país natal, tendo seu "Quarteto de Cordas No. 1" de 1908 os primeiros sinais do uso destes temas.
Ao lado do amigo Zoltán Kodáli, Bartók viajou para o interior do país para coletar temas folclóricos originais. Os resultados desta busca divergiam muito do que a décadas era considerado música húngara ou para os estrangeiros "cigana". O uso de escalas pentatónicas semelhantes aquelas encontradas na Asia Central e na Siberia, além dos ritmos assimétricos e harmonias pungentes encontrados na música da Bulgária, se tornaram grandes revelações para ambos, que começaram a citar temas em suas composições.
Outro importante fator musical foi que algumas melodias coletadas por Bartók não seguiam o sistema maior e menor, que naquela altura da história já havia sido saturado ao máximo. Com essas descobertas, além do conhecimento musical tradicional que Bartók possuía, sua música apesar de ser tonal, expandia consideravelmente as funções harmônicas conhecidas quase ao ponto de ruptura completa.
Estes são apenas alguns exemplos conhecidos de compositores que baseado na cultura de seus países conseguiram elaborar uma arte completamente original e ao mesmo tempo se estabelecerem como visionários musicais. Mas este devoção completa a sua pátria estava correta? Bartók no seu tempo já havia sido criticado por não compor suas próprias melodias, e Villa-Lobos foi acusado de fazer cópia de música folclórica. Mas algo que estes críticos não perceberam era que antes deles, não apenas a música, mas boa parte da cultura de seus países era apenas exótica, rudimentar, ou coisa de bárbaros, ou seja impossível de se levar a sério pela elite, que se apoiava em moldes estrangeiros.
Mas o que então o que exatamente produzir quando toda uma linguagem cultural já está estabelecida e com uma identidade forte? A resposta para essa questão é algo difícil de responder já que por si só, já é um grande paradoxo. Como integrar a cultura nacional a novos meios de expressão, capazes ainda assim de revelar não apenas um indivíduo que pode pensar por si em seu meio, mas toda um nação, são questionamentos que em determinado ponto todo artista irá passar, e deverá solucionar sozinho.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

O Caso de Dutilleux



É estranho quando um artista que produz uma obra tão única dentro de seu meio, e cuja produção seja resultado de um longo processo de auto-crítica, que tem como finalidade a busca por uma identidade pessoal, seja não apenas largamente ignorado mas considerado um ser ultrapassado. E é exatamente isso que acontece com o compositor francês Henri Dutilleux(Angers, Maine-et-Loire, 22 de janeiro de 1916). Dutilleux é um compositor que desde que o conheci tem me fascinado com suas obras, que mesmo aos 94 anos são umas poucas, porém extremamente variadas e ricas em idéias e conceitos. Como citado anteriormente, seu processo de criação é longo e exaustivo, baseado em várias "sketches" que ao longo do tempo são esculpidas até que o resultado final seja o desejado.

O que deixa este personagem tão interessante, e o que para mim parece um pouco irreal, é o fato de Dutilleux ser um compositor que além de ter vivido as duas grandes guerras, pareceu nunca se encaixar em nenhuma corrente estética conhecida. Mesmo com o advento do serialismo, neoclassicismo, música eletrônica, minimalismo, espectralismo e muitos outros estilos conhecidos, sua música parece ter se mantido livre de qualquer influência ou modismo externo. Um feito surpreendente já que vivemos num mundo onde o que é considerado novo e excitante logo é tomado como modelo, sem ao menos antes ter sido feita alguma pesquisa mais aprofundada para ver no que exatamente isso pode contribuir ou não para aquele que o aderir.

Antes de decidir numerar suas composições, Dutilleux já havia escrito algumas peças para variadas formações instrumentais, porém o próprio achava que não eram representativas de quem ele realmente era. Sua Sonta para Piano(1946-1948),marcada como Opus 1, revelava um compositor que não se encaixava em lugar algum. Alguns anos antes do serialismo se tornar padrão, este obra possui desde as sonoridades impressionistas de Debussy até o vigor rítimico e passagens dissonantes de Bartók. Os trabalhos seguintes refinavam cada vez mais sua linguagem misteriosa e as vezes mística como em sua Segunda Sinfonia de 1959, onde a orquestra era divida em dois grupos, cada um agindo como um fantasma sobre o outro, intercalando diferentes partes, ás vezes complementares, ás vezes contrastantes. Em "Timbres, espace, mouvement" de 1978 inspirado na pintura de Van Gogh "La nuit etoilée", Dutilleux propõe por meio de combinações inusitadas de timbres e aglomerados de notas o clima fantástico da tela.

Atualmente Henri Dutilleux desfruta de um lugar singular no mundo da música: ao mesmo tempo que é considerado um dos compositores vivos mais importantes da atualidade por alguns, também é descrito como reacionário e ultrapassado por outros. Mas sejamos francos, Dutilleux é um compositor que simplesmente escreve sua música sem se preocupar se ela vai mudar o mundo ou se ela está a frente dos outros. Sua obra é um retrato absolutamente pessoal, que provavelmente só poderá ser compreendida em sua totalidade pelo mesmo, diferente de alguns compositores de sua época como Pierre Boulez, que apesar de ser um grande personagem dentro da música do século XX com obras interessantíssimas e cheias de idéias, na maior parte das vezes soa como se estivesse dentro de um grande exercício intelectual, que tem como objetivo apenas o lado exato da arte. Talvez seja apenas isso, não tenho como saber, cada um tem o direito de criar o que bem entender independente dos métodos usados, mas quando os mesmo começam a matar sua expressão é bom parar por aí.

Introdução

Neste blog o assunto principal será música, teremos vários textos explicativos e outros de caráter crítico com muitas informações num tom as vezes leve e as vezes complexo. Obviamente os assuntos vão variar, então o improvável deve ser o esperado.